Só escrevi um, e é este que fica: o sonho em forma de carta
"Gostava muito de te enviar esta carta. Mas não vou. Nem é uma questão de orgulho; orgulho é o primeiro sentimento a pôr-se de lado quando se ama. É porque não existe esperança para nós.
Na semana em que fizeste a viagem definitiva (?) para Portugal, tive a certeza que éramos almas gémeas. Vi-nos juntos para sempre, o que quer que isso significa. Vi-nos a envelhecer juntos, a apoiar-nos um ao outro, eu tomava conta de ti e tu de mim. Éramos já velhinhos e continuávamos a sair de casa sempre de mão dada. Tu falavas da história de Portugal, e eu ouvia-te deliciada. Tínhamos a M.D. e o J.P., dois filhos fabulosos, educados à nossa maneira, que sempre nos trouxeram imensas alegrias. Estávamos já na reforma, passávamos os nossos dias juntos. Tínhamos uma casinha com uma horta, tratávamos dela juntos, e as minhas sopas eram tão saborosas! Ao Domingo, os nossos filhos iam lá almoçar e passar a tarde; levavam os filhos deles, ainda pequenos e lindos. Então a R.!, parecia um anjo: moreninha de olhos verdes enormes, com o cabelo ainda encaracolado, as mãozinhas papudas e uma esperteza fora do comum para uma criança de três anos.
Imaginei-nos a educarmos os nossos filhos adolescentes, a tentar encaixar o nosso amor e a nossa compreensão com as regras do bom-senso e protecção. Como é difícil ter uma atitude positiva e manter o meio-termo entre a liberdade e o firme “não”. Sabemos lá como são as modas agora, se fazemos o que fizeram os nossos pais, provavelmente estamos a remar contra a corrente, hoje em dia já tudo mudou. Ainda assim, não nos podemos queixar: eles falam connosco abertamente, aceitam alguns dos nossos conselhos, apresentam-nos os seus amigos; a escola deles corre lindamente, as actividades extracurriculares também.
Visualizei todos os detalhes do nosso casamento. Tantos convidados! Queríamos organizar a cerimónia numa capela, mas logo tivemos de desistir da ideia. Como é que foi tanta gente? A minha família, a tua, os meus amigos e os teus, os convidados especiais – a M., a L., a B. e o D., o L., o F. – até parecia uma multinacional!, a reflectir bem a nossa vivência.
Eu estava linda, mas não era do vestido cor de pérola, a acompanhar delicadamente as minhas curvas, muito simples e que me assentava maravilhosamente; nem era do penteado, que segurava a véu que me cobriu a cara até chegar ao altar; nem da maquilhagem, leve, a condizer com o meu gosto. Era da felicidade que irradiava, cada poro transpirava alegria, a emoção de chegar ao dia mais esperado da minha vida, em que o céu e a terra se juntavam para testemunhar os nossos votos de amor eterno. Não era suficiente dizer-te “sim, aceito”. Por isso, preparei umas palavrinhas:
- Todos os dias luto para te fazer feliz e para ser feliz ao teu lado. Todas as noites adormeço tranquila porque sei que o consegui. Prometo estar sempre contigo, alimentar os teus sonhos e sentir-me recompensada por saber que também o fazes. Dizer que te amo é pouco para exprimir o que sinto por ti. E para sempre existirá este sentimento, esta recompensa de te ter ao meu lado. Sou tua incondicionalmente.
Preparei aquela que iria ser a nossa primeira casa em Portugal antes da tua vinda. Estava arrumada, com fotografias nossas. Imaginava a nossa primeira noite finalmente juntos aqui. Não é como lá fora, não eram fins-de-semana que vinhas cá. Era o começar da nossa vida em conjunto cá, o desejo que nutri durante o último ano.
E nada disto aconteceu. Não entraste na nossa casa nesse dia. No dia em que entraste, não eras bem-vindo. Nem serás mais. Pelo menos dessa forma"
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